De Ossos a Poliedros: A Incrível Jornada dos Dados Através da História

Toda vez que nos sentamos à mesa para uma partida de Catan, uma campanha de D&D ou um simples jogo de Ludo, participamos de um ritual milenar. O som dos dados rolando sobre a mesa é um eco que viaja através do tempo, vindo de tavernas romanas, palácios egípcios e talvez até de fogueiras da pré-história. Aquele pequeno objeto, hoje feito de resina acrílica colorida, carrega em suas faces a história da sorte, do destino e da própria civilização.

Convidamos você a embarcar nesta viagem para descobrir como um simples osso de ovelha evoluiu para o icônico d20 que hoje decide o destino de heróis e reinos.

Os Primeiros Lançamentos: Astrágalos e Adivinhação (c. 5000 a.C.)

A história dos dados não começa com cubos, mas com ossos. Especificamente, os astrágalos, ossos do tornozelo de ovelhas, cabras e outros animais ungulados. Devido à sua forma peculiar, com quatro lados distintos e fáceis de diferenciar, eles se tornaram os primeiros geradores de aleatoriedade da humanidade.

Inicialmente, seu uso era predominantemente místico. Praticava-se a cleromancia, uma forma de adivinhação onde os resultados do lançamento dos ossos eram interpretados como mensagens dos deuses ou previsões do futuro. No entanto, a linha entre o sagrado e o profano sempre foi tênue, e não demorou para que os astrágalos fossem usados para jogos de azar, tornando-se populares entre crianças e adultos na Grécia, Roma e Egito antigos.

A Geometria da Sorte: Mesopotâmia e Egito (c. 3000 – 2000 a.C.)

A transição dos ossos orgânicos para objetos geometricamente definidos foi um passo crucial. Uma das evidências mais antigas de dados manufaturados vem da Mesopotâmia. Escavações na cidade-estado de Ur (atual Iraque) revelaram o “Jogo Real de Ur”, um dos jogos de tabuleiro mais antigos já descobertos, datado de cerca de 2600 a.C. Junto ao tabuleiro, foram encontrados dados tetraédricos (com quatro faces), os ancestrais diretos do nosso querido d4 de RPG!

No Egito, o popular jogo Senet, frequentemente encontrado em tumbas faraônicas, não usava dados poliédricos. Em seu lugar, os jogadores lançavam varetas de madeira com dois lados pintados de cores diferentes para determinar o número de casas que poderiam avançar. Embora não fossem “dados” no sentido moderno, cumpriam exatamente a mesma função: introduzir o elemento sorte no jogo.

“Alea Iacta Est”: A Febre dos Dados em Roma e na Grécia

Foi no mundo greco-romano que os dados cúbicos de seis faces, ou tesserae, como os romanos os chamavam, se tornaram onipresentes. Feitos de osso, marfim, bronze, ágata e outros materiais, eles eram o centro da vida social e do entretenimento.

Os romanos eram jogadores tão ávidos que o jogo com dados foi oficialmente proibido fora do festival da Saturnália, uma lei que era amplamente ignorada por todas as classes sociais, de escravos a imperadores. Foi nesse contexto que Júlio César, ao cruzar o rio Rubicão e iniciar uma guerra civil, proferiu a famosa frase “Alea iacta est” – “A sorte está lançada”, uma expressão diretamente retirada do mundo dos jogos de dados.

Foi também nesse período que a padronização do d6 começou a tomar forma. A configuração onde a soma dos lados opostos sempre resulta em sete (1-6, 2-5, 3-4) tornou-se comum, provavelmente como uma medida para dificultar a fabricação de dados viciados e garantir um jogo mais justo.

Da Idade Média à Revolução do RPG

Durante a Idade Média, os dados mantiveram sua dupla reputação. Por um lado, eram condenados pela Igreja como ferramentas de vício e pecado. Por outro, eram extremamente populares em todas as camadas da sociedade. Reis perdiam fortunas em jogos, e soldados os usavam para passar o tempo entre batalhas.

Contudo, a maior revolução na história dos dados em mais de dois milênios aconteceu em 1974. Com a publicação do primeiro conjunto de Dungeons & Dragons, Gary Gygax e Dave Arneson não apenas criaram um novo gênero de entretenimento, mas também popularizaram um conjunto inteiro de dados poliédricos (d4, d8, d10, d12 e d20).

Esses novos formatos não eram apenas uma novidade estética; eles eram mecanicamente necessários. Um guerreiro precisava de um dado com maior potencial de dano (como um d8) do que um mago com uma adaga (um d4). A chance de acertar um golpe ou passar em um teste de habilidade não podia ser uma simples moeda ao ar. O d20, com sua ampla gama de resultados, tornou-se a ferramenta perfeita para medir o sucesso e o fracasso em um mundo de fantasia.

Um Legado em Nossas Mesas

Hoje, os dados são mais vibrantes e variados do que nunca. De conjuntos de metal a dados com glitter líquido, eles são tanto uma ferramenta de jogo quanto um item de colecionador.

Portanto, da próxima vez que você pegar aquele d20 para fazer uma rolagem decisiva, lembre-se da longa e rica jornada que ele representa. Cada lançamento é uma conexão com milhares de anos de jogadores, sonhadores e profetas que, assim como nós, colocaram suas esperanças nas mãos do acaso.


Fontes e Leitura Adicional:

  1. Mark, J. J. (2019). Dice in Ancient Times. World History Encyclopedia. Acessado em https://www.worldhistory.org/article/1470/dice-in-ancient-times/
  2. The British Museum. The Royal Game of Ur. Acessado em https://www.britishmuseum.org/collection/object/W_1928-1009-379
  3. Das, S. (2019). A Brief History of Dice. Ludo King Blog. Acessado em https://ludoking.com/blog/a-brief-history-of-dice/
  4. Hoffman, D. (2018). The Polyhedral Dice of Dungeons & Dragons. The Strong National Museum of Play. Acessado em https://www.museumofplay.org/blog/the-polyhedral-dice-of-dungeons-dragons/
  5. Laucella, M. (2021). Rolling the Bones: The History of Dice. The Gaming Historian. Acessado em https://thegaminghistorian.com/rolling-the-bones-the-history-of-dice/

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